Se eu estivesse uma tarde bonita sentado numa pedra daquelas que aconchegam o rabo e deixam sentir o conforto natural das coisas, então se eu pudesse sentir-me expansivo ao ponto de começar a fazer caretas, a pensar em pessoas e personagens, gente estranha, gente má, mesmo má... Se me desse para imitar sons de bichos e gritos tolos de pessoas, recordar filmes ou momentos da televisão, se às tantas eu me soltasse e vivesse ali sozinho uma fúria de gozo, um momento pessoal cheio de alegria criativa, a minha imaginação robando-me os pés do chão, levando-me a cabeça ao ar e fazendo de conta imensas coisas, nessa tarde eu estaria bem disposto, contente, qualquer coisa bem ao contrário do que se sente se alguém se sente deprimido, e o que aconteceria se no auge dessa fúria um grupo de pessoas surgisse sem aviso, aparecendo de repente por trás de uma árvore à minha direita... E no momento em que estava mais esquecido de tudo de repente surge uma aflição e uma vergonha, vergonha daquela alegria tola de criança, vergonha das caretas e das brincadeiras parolas... O chão volta aos pés, a pedra dura incomoda o rabo, eu levanto-me depressa e ajeito-me, disfarço como posso, sinto-me vermelho, um vermelho feio de corar e olho para eles, tento perceber o que perceberam e pensam agora de mim. Sinto-me um tolo, um parolo, um parvo. Não sou criança nem velho e acho que eles se importam. E se em vez de estar a brincar como um miúdo estivesse a chorar, a chorar com os pulmões, num som abafado, uma respiração massacrada, lágrimas grossas, ranho líquido descendo...
Uma vergonha qualquer de sentir, porque os outros não percebem.
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