
Levou o filho até lá...
Não esperava que ali ninguém viesse para interromper aquilo que estava prestes a fazer. Tinha-o planeado minuciosamente, o local era perfeito, ermo como convinha, até o tinha estudado com passos pequeninos, sentindo cada pormenor do que viria a concretizar mais tarde... O momento chegara.
Trouxe o filho até lá, atrai-o com uma conversa simpática, disse-se cansado, disse que queria companhia, precisava desabafar.
O filho não estranhou o pedido, mas estranhou o caminho que faziam. Havia uma excitação nervosa a pairar entre os dois, no início terá pensado que aquilo se ligava às coisas que o pai lhe queria contar mas alguma coisa não estava bem. O pai olhava nervoso para ele, os seus olhos apreciavam-no de maneira nova e diferente, como se quisesse descobrir-lhe no rosto traços que nunca antes vira nele...
O clima foi descendo, ficou mais grave e o caminho tornou-se incómodo debaixo dos pés. Haviam passado pela última fileira de árvores que se avistava ao largo e então começaram a subir uma colina bem ingreme e de terra escura e árida. O pai falou-lhe então qualquer coisa num tom surdo e o filho inclinou um pouco mais a cabeça assentindo.
Quando chegaram lá acima o filho olhou uma última vez o pai nos olhos e disse-lhe umas poucas e curtas palavras, devia ser uma pergunta. O pai pensou um pouco e respondeu-lhe.
Então avançando uns passos o filho ganhou uma curta distância e estancou de costas dadas para o pai. O pai estava decidido embora lhe custasse bastante e isso notava-se pela firmeza que as suas rugas estavam a ganhar na expressão desconfortável que usava, talvez fosse uma máscara mas as máscaras usam-se para enganar os outros e com o filho voltado de costas não restava ninguém para vê-la, mas talvez fosse uma máscara que usava para si mesmo, talvez de fora observassem os seus olhos aquele momento tão esperado.
Levantou a blusa, puxou a arma que tinha presa na cintura e voltou a deixar a blusa cair... Mas depois com a mão esquerda pegou a arma e com a direita ajeitou a blusa e prendeu-a entre a barriga e as calças.
Olhou de novo a arma que olhara tantas vezes nos últimos dias e sabia-a pronta para aquele tiro. Apontou ao filho e preparou o disparo. O dedo tocou o gatilho e quando começou a premi-lo hesitou para dar espaço a uma última pergunta que estava agora a incomodá-lo.
- Não me perguntas porquê?
- Acho que... (Suspirou enquanto arranjava força para deixar que um pensamento construisse qualquer coisa para dizer) Não muda nada... Pois não?
- Eu não sou teu pai.
Disparou.
O corpo caiu levemente sobre o chão – primeiro rodou um pouco no ar, depois perdeu vagarosamente alguns centímetros de altura, ficou de cara quase voltada de volta para o outro e depois desse último olhar já frio e sem nada por detrás caiu primeiro sobre os joelhos e logo depois estendeu-se torto no chão.
O outro não gostou de o ver assim caído e endireitou-lhe o corpo, posou-lhe as mãos no peito mas elas não ficaram lá e voltaram para os lados... Ele ainda insistiu umas vezes e depois largou-o e voltou para casa e para a mulher...
Sem comentários:
Enviar um comentário