sexta-feira, julho 20, 2018


Voltar a casa pelo cheiro erradio das figueiras, somando passos como se reza, inventa, trabalha, se apura e leva uma paisagem na boca. Quanto tempo até que o perfume lhe entre nos versos? Ajuizado sacrifício, este fracasso que me serve perfeitamente de ambição. O desconto que baste para uma velhice fragrante pastoreando ritmos, pétalas, conchas, nuvens. As coisas que oiço, que me passam diante dos olhos, mal me dão o tempo de as separar, como se preferisse lê-las, tê-las escrito uma por uma. Governá-las. Escrever algo aonde regressar. É provável que o verso medido, preciso, seja o que impõe esta lentidão à voz, lentidão sagrada, espécie de temor ante a beleza. Uns olhos antigos, arrasados, luz que nos serve um sabor solitário... A possibilidade de dispor dos anos na sua mais comovente desordem. Oiço uma água, pronuncio com a memória húmida o que abrandou o coração. Um tipo alcança o seu fim, chega a ser tomado pela sensação da posteridade... as cigarras cantando já depois da sua morte. Oiço ainda o passarito negro de mil novecentos e cinco do fundo do poço de um verso de Gerardo Diego, oiço-o: é outro e o mesmo. Fecho os olhos, distraído como quem se apaga, negra, docemente. Ele leva-me à minha morte.

Sem comentários: