sexta-feira, julho 13, 2018


Solitário como uma civilização extinta, sou o que resta e o que ficou aqui a aguar o tempo, amolecê-lo no silencioso desmoronamento de amargos países como este onde tudo nos leva à invenção do exílio, esse grito degolado. Ecos sempre mais surdos nestas páginas já sem margens. E nelas cada um de nós risca todos os outros ou juntos somos devorados pelas nossas próprias imagens. A manhã traz as suas nuvens rastejando, as ruas envolvidas nesta luz de fim de mundo. Os pássaros que não souberam escapar-lhe são simples nódoas. Às sombras deixo-as vir, fazendo um ninho destas mãos. Roçando arestas vivas entre o bocejo e o abandono, tudo isto que me arruína o sangue e alimenta tremores, murmúrios debaixo da pele. Na escura água deste baptismo, crianças como astros arremessados de infâncias miseráveis e os nomes tristes que dão às coisas arrastando-as para o seu mundo, os jogos cruéis, as estratégias de intimidação. Como depois de uma frase aterradora, algumas engolem a própria língua, outras cospem-na tão longe e enfim esvaem-se silenciosamente. Como de uma pele envelhecida, a cidade se desfaz de nós, se arrasta sobre as suas escamas de vidro, vultos despedaçados entre reflexos. Cartomantes e videntes, traficantes de tudo. A mesma noite há anos. Volto a deixar-me cair sem resistência, deixar que me cante essa voz de sombra, coberta de musgo, soprando a luz, animando os contornos deste pesadelo de ossos e músculo prestes a tornar-se algo simplesmente sujo. No fim, a inútil metamorfose de que ainda nos servimos neste apartamento obscuro e comovido. Por todo o lado pêlos, um rasto delicado de pequenos animais mortos. Às vezes gato, outras cão ou anjo. Passa as noites esgaravatando o soalho, escavando o seu pequeno abismo. A cama exausta, o sexo que ali deixei como uma página arrancada e o choro da pequena flor negra à cabeceira, como se um último suspiro rasgando a memória. De uma boca a outra o ar como música gelada, e esta dor que nos partilha quando de novo somos a sombra distante e capturada um do outro.

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