quinta-feira, julho 19, 2018


Gosto de como fico lá ao fundo, como a esta distância estremeço espelhos, educo-me a partir desses reflexos que nascem de outro tremor: fisga e fita métrica para tirar nota a quedas e proporções, um remo feito ceptro de quantos poderes?; os caroços todos de um cerejal indo pelos caminhos, cuspidos, espalhados pelo mais vasto entardecer. Não tinha, não tenho livros, mas as chaves da sombra, um mapa dos cantos suaves de embalo; ir direito à corda namorar aquele cheiro a trevo e a leite que se desprende do vestido. Os dias que quis intactos, contornando pelo lado que direis da infância – passasse por aqui uma estrada romana, o melhor esforço da antiguidade, até o chilrear dos pássaros a preto e branco – mas é engano vosso, estou bem aqui, contra o balcão. Bebo uma cerveja como toda a gente. O mundo começa a apagar-se, e o resto virá de surpresa. Como a noite se decompõe, certa das suas simetrias, noite que dará (ainda vamos ver como) para essa manhã metade flor metade cinza nos lençóis, a transparência da carne entre sombras que se esforçam por voltar a ser homem, mulher. Tudo é o chão de tudo. Apanhas a chávena rachada, e, no corte, um brilho de mel começa a tocar o disco do que ficou lá fora – por onde ia a conversa, os passos que a imaginação prossegue. Vou até à mesa miserável entre luzes arrancadas, à deriva, corrijo a sua língua de álcool, o sangue sentido de tudo, rimas desvanecidas, as ondas contadas, o mar ancorado nos versos, um veneno que se arrasta através da espuma. Tomam a forma da nossa idade as coisas, o mundo que puxas, que deixas secar na página, como uma imensa manhã cuja claridade, além das sombras, nos apagasse também.

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