sábado, março 25, 2023


Ainda temos a demora, a companhia
absurda que nos fazem
os centauros, estas imitações
que nos permitem coser com o sangue
esse corpo comum, rítmico, que balance
para lá do quarto, do sentido
de que somos capazes, do pulso também
com que meço a vida ao redor.
Oiço-os por um bocado e logo me atrevo,
entro em diálogos numa língua
ainda inexistente, e a costa da realidade
vai ficando para trás.
Desliza-se para longe dos espelhos,
os reflexos põem-se agitar os lenços.
Nem sei o que é, talvez só a necessidade
de encher o quarto de presenças,
gestos, vozes, perguntas,
como se por saber que o anjo
não existe, a barafunda, o pó e as penas
por toda a parte fosse um meio
de o vislumbrar. Esses livros que não
nos importam muito, ficam pelo chão,
às vezes até nos desfazemos de uns quantos
pelo dinheiro, para fugir deixando
os mesmos sonhos gastos, o mofo da única cama
desfeita há uma eternidade. Noutras alturas
sabe-nos bem este baile de tropeços,
entre papéis e flores, mares,
cadafalsos, ligaduras, escutar sobre a cabeça
gorjeios e variações que adoçam tudo,
e mesmo se nos calafetamos, a luz
raspa, escava, mete o focinho e força,
entra por onde nem imaginas,
vem ver esse regimento,
as pedras que brilham, capazes
de causar algum dano a gente
que nem sabe a fome que lhes temos.


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