sexta-feira, setembro 23, 2022


Espaços a menos a dificuldade em pôr
o acento do que falta, abrir um curso
entre tantos papéis velhos
roídos pela traça do símbolo,
uma linha de azul fina busca evadir-se,
espreita o mais longínquo sinal 
que os sentidos lhe dão, molha os lábios
pela enésima vez, molha no vidro
da água um dos cornos aduncos,
em seu isolamento as luzes abrem-se lá 
no mais longe que se imagina,
não têm pele nem contorno certo,
mas vão vigiadas por quantas sombras
e intuindo canções remotas
de rima derramada, depositando o sal
num rastro cheio de sílabas eriçadas 
como todo o ser florindo de terror
perante uma ameaça radiante,
aí se vê o demónio detalhado que há
em cada um, na maior intimidade
que pode a carne atenta a tudo,
estudando a sobrevivência
num ápice, perseguindo o acaso, 
o original e a mais rude cópia, a mais
inspirada, furtivo e íntimo assim 
se explora o que pode ainda fazer-se
contra, e no limite nem difere tanto
do modo como a vida resiste
ganha um pouco de folga e de novo
dá o nó, retoma o erro absurdo,
o seu golpe melodioso
frente ao drama seco dos elementos,
vê como sobram fragmentos recolhidos
em conchas, a história subtil
do que escapa, a retirada heroica
ante a mordedura do tempo,
o corte face à perfeição insuportável
das ruínas, e não importa o quê
a que custo que nova forma se arraste
para lá, além, num respiro de boca aberta
um corpo novo criado de se esconder 
da mesma forma como nos fere o alfinete
que prendeu por um bocado um grito a cores
e depois já as asas se desfaziam nos dedos
vimos a gota de sangue bebendo o pó
da porcelana, e nesse amargo repouso
sonhava a desgraça outro veneno ou algo
tão implausível e vicioso como o futuro.


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